Uma História Real


Março do ano dois mil e dezessete, sem aviso  prévio o destino abriu uma fenda com quilômetros de profundidade e sepultou parte dos meus sonhos. A vida estava em estado de graça, e por incrível que pareça nunca deixei de agradecer, e até mesmo de me perguntar se eu merecia tanto. Mas m uma madrugada minha filha mais nova decidiu sair desse planeta, possivelmente se cansou de ver tantas injustiças e resolveu voltar para casa, nas dimensões superiores. Acostumado a abraçá-la, admirar seu lindo sorriso e falar sobre os nossos planos para o futuro, tive que encontrar forças para segurar seu corpo e olhos semiabertos  como se olhasse meu sofrimento e dissesse, você me ensinou a ser forte.

Passei levemente a mão sobre seus olhos e os fechei. Não se preocupe, nunca iremos nos separar, o nosso amor é um elo inquebrável. A tarde fui ao instituto médico legal para acompanhar a liberação do corpo, em uma sala vizinha uma moça me chamou, pensei que seria para entregar a autorização. Me enganei, ao entrar havia no local um rapaz e uma moça, perguntaram se eu poderia doar as córneas da minha filha. A resposta foi imediata. Não. Mesmo assim me agradeceram pela atenção.

Ao passar pela porta meu corpo travou e a minha consciência perguntou: Não por que? Você é capaz de suportar a dor e transformá-la em um gesto de amor. Sua filha sempre lhe viu diferente em um mundo de tantas coisas comuns, uma moça que passou seis meses em trabalho voluntário em um hospital de tratamento para bebês prematuros, jamais diria não a uma doação de órgãos, mesmo que fosse você, ela diria sim, pela vida.

Voltei e disse ao pessoal da coleta: Me arrependi, quero fazer a doação. Assinei a autorização e a moça indagou se queria que ela me enviasse via e-mail nome e endereço da pessoa que recebeu as córneas. Não, agora é não mesmo, o importante é que essa pessoa possa ver as cores do mundo, já que as belezas em si, são invisíveis. Já havia sentido muito com perdas de irmão, pai, e parentes, mas cada dor é diferente. Não existe um dia que eu não lembre de nossas brincadeiras, seu sorriso, um furinho de beleza na face, e principalmente a grandeza que tem na alma.

Se aproxima o sexto ano sem ela aqui na terra, mas nunca deixei de vê-la, nunca perdemos contato, e sabem por que? Porquê o nosso amor é real, e e mesmo em mundos distintos, seremos sempre eu e a Pida, a minha querida Lê. A todos vocês um alerta, nunca deixem para dizer ama amanhã, esse dia poderá não existir, o destino não tem aviso prévio, e só existe um jeito de não perder contato com quem sai daqui, é amar enquanto temos essa oportunidade única. Essa história é real, é minha história.


A.L.Bezerra

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