O implacável tempo, com suas marcas silenciosas e imparáveis, não poupou nem mesmo o querido Jupi, o cachorro da fazenda. Antes cheio de energia, correndo pelos campos e sempre pronto para uma brincadeira, agora se mostra sonolento, com a cabeça repousada sobre as patas, passando os dias em longos cochilos. Quando alguém o chama, limita-se a lançar um olhar distante, sem muito entusiasmo.
Durante as férias, um menino que costumava visitar os avós na fazenda, e havia criado um laço especial com jupi. Eles eram inseparáveis. Mas agora, o garoto não compreendia o que havia mudado.
— Papai, o Jupi não quer mais brincar comigo... disse com os olhos marejados. No ano passado, eu jogava a bolinha de tênis e ele corria para buscar, não importava quantas vezes eu jogasse. Agora parece que ele não gosta mais de mim... Até o osso que eu dei, ele escondeu debaixo do travesseiro no sofá...
O menino chorava, tomado pela tristeza, acreditando que Jupi havia deixado de amá-lo ou pior, que nem se lembrava mais de quem ele era. — Calma, meu filho… O Jupi ainda gosta de você, sim. Mas o tempo não passa só para nós ele também toca os animais. O Jupi está ficando velhinho, e alguns sinais mostram que ele pode estar com demência. Olhe para o seu avô ali na cadeira de balanço… aquele olhar perdido, como se estivesse preso a lembranças de um tempo que já foi, com pouca vontade de olhar para o amanhã. Isso é o tempo, filho. Ele transforma tudo, até os que mais amamos.
— Vá lá, chama o Jupi para brincar, disse o pai com um sorriso gentil.
O menino respirou fundo, enxugou as lágrimas e se aproximou do velho companheiro. Chamou seu nome com carinho. Jupi, como se despertasse de um sonho antigo, ergueu-se com esforço, apoiou as patas dianteiras nos ombros do garoto e lhe deu uma lambida carinhosa na orelha.
O menino riu, contagiado pela alegria do reencontro, e saiu correndo pelo quintal. Jupi, como nos tempos de outrora, correu atrás dele com o mesmo entusiasmo de quando eram inseparáveis, dois amigos, unidos pelo afeto que nem o tempo conseguiu apagar.
Depois de alguns minutos correndo e brincando, Jupi se afastou lentamente, escolheu a sombra de uma árvore e ali repousou. Deitou-se com a cabeça sobre as patas e, em pouco tempo, adormeceu. O menino, ainda animado, correu em sua direção, mas foi interrompido pela voz serena do pai:
— Agora é hora de respeitar o descanso dele, filho. O tempo muda tudo… e o hoje já não é mais o mesmo ontem. Vá brincar com o vovô.
O garoto se aproximou do avô, que balançava suavemente na cadeira de madeira. Com um sorriso tímido, perguntou:
— Vovô, vamos brincar?
O senhor olhou para ele com ternura, mas com confusão nos olhos:
— Vamos… Mas quem é você?
O menino, tomado pela tristeza, voltou a chorar e disse ao pai:
— Papai… o vovô está com a mesma doença do Jupi…
O avô, percebendo a dor do neto, o envolveu num abraço caloroso e riu com carinho:
— Não chore, meu pequeno. Ainda posso te contar histórias malucas, daquelas que só nós entendemos. E mesmo que um dia o tempo me leve a esquecer quem você é… seja paciente comigo. Por tudo que já vivemos, por tudo que ainda mora no meu coração.
É preciso compreender a força devastadora do tempo, ele pode, sim, nos fazer esquecer rostos, nomes, até histórias inteiras. Mas o que jamais pode ser apagado é a essência do amor. Entre o ontem, o hoje e o amanhã, há sempre o tempo, implacável em sua marcha.
Aceitar que somos vulneráveis às suas ações é um passo difícil, mas necessário. E é justamente esse entendimento que nos convida a nos reinventar, a buscar novas formas de lidar com os impactos da demência e da perda. Que nunca nos falte coragem para enfrentar o que vem, nem amor para sustentar o que permanece.
"O conhecimento é um farol na escuridão"

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